O PRINCIPE QUE BOCEJAVA
ANA MARIA MACHADO
Era uma vez um príncipe muito bem educado, que
tinha se preparado toda a vida para ser rei um dia.
Desde
pequenino, aprendeu a não brincar de esconder atrás das cortinas do salão do
palácio, a não patinar nem andar de skate pelos corredores, a não descer pelo
corrimão da escadaria. Também lhe ensinaram a se portar á mesa com boas
maneiras, a ser gentil com as pessoas, a ficar horas em pé sem se mexer,
assistindo quietinho aos desfiles e paradas.
Teve
professores de dança e de ginástica, de equitação e de golfe. Aulas de economia e de política, de direito e
de línguas. Aprendeu toda a história de seu País e toda a geografia do mundo.
As mais completas bibliotecas do reino não tinham segredos para ele. Os
melhores professores e conselheiros foram seus preceptores. Seus computadores
tinham sempre os programas de última geração. Estava sempre lendo seus autores
preferidos, pronto para discutir personagens e situações. Tinha argumentos para
defender suas opiniões em qualquer discussão. Sabia de cor vários poemas
lindos.
Quando cresceu, ficou um rapaz encantador.
Podia ser considerado um verdadeiro príncipe encantado - para quem ainda
acreditasse nessas coisas. Todas as moças suspiravam por ele, sonhavam com ele,
recortavam suas fotos que saíam nas revistas.
Então chegou a hora de resolver com quem ia
casar.
Deram um grande baile, daqueles de escolher
noiva. Vieram princesas encantadoras, de todo canto. O príncipe dançou com
todas e foi muito gentil. Mas assim que
começou a conversar com a primeira, aconteceu algo muito desagradável.
- Aaaaaaaahhh!
Por mais que ele tentasse disfarçar, quem
estava por perto viu.
O príncipe estava bocejando!
“Mas que mal educado!”, pensou alguém.
- O príncipe deve estar muito cansado comentou
um assessor.
- Essa princesa deve ser uma chata – também
houve quem dissesse.
E trataram de levar a moça dali e chamar outra
para conversar com o príncipe. Não adiantou nada. Em cinco minutos, ele já
estava bocejando:
- Aaaaaaaahhh!
Por mais que o príncipe tentasse, não
conseguia segurar. Fazia força, fechava a boca, mas os músculos não obedeciam,
parecia que o ar queria sair pelo nariz e pelos ouvidos. Vinha um sono enorme
que dava vontade de bocejar. O máximo
que ele podia fazer era esconder a boca com a mão. Mas os olhos se fechavam e a
corte toda via que o príncipe estava bocejando.
Vinha uma princesa atrás da outra para
conversar com ele. Com todas acontecia o mesmo. Elas se aborreciam, os pais
delas se zangavam, todo mundo comentava.
No dia seguinte, estava em todos os jornais:
PRÍNCIPE OFENDE PRINCESAS ESTRANGEIRAS
Havia fotos do príncipe bocejando e artigos
falando mal dele, cheios de expressões complicadas, como “incidente
diplomático”. Uma nota do palácio explicou que ele cancelara toda a agenda
oficial e ia descansar por alguns dias.
Daí a algumas semanas, deram outra festa de
escolher noiva. Como algumas princesas não quiseram vir, também foram
convidadas várias atrizes, cantoras e modelos. Cada moça mais linda que a
outra. O príncipe estava evidentemente entusiasmado. Dançou sem parar e
escolheu algumas daquelas belezas para depois conhecer melhor – em pequenos
jantares, compartilhando seu camarote em estréias de gala no teatro, ou
passando fins de semana em castelos de amigos. Mas nesses segundos encontros
acontecia a mesma coisa. Depois de poucos minutos de conversa, vinha aquela
vontade incontrolável e...
- Aaaaaaaahhh!
O príncipe bocejava!
Só podia estar doente. Talvez com a doença do
sono.
Os médicos então sugeriram:
- Uma viagem! Talvez assim Vossa Alteza
conheça outras princesas...
Bastou essa ideia e ele começou de novo:
- Aaaaaaahhh!
É que nem podia ouvir falar em princesa que se
lembrava das conversas que tinha ouvido. De todas aquelas moças falando de
roupas e do cabeleireiro e do namorado de uma amiga e da irmã da vizinha e do
último lançamento da butique e do regime que a prima da cunhada tinha feito e
da festa do duque e do número de calorias do empadão e do chapéu novo da
marquesa e do chapéu velho da baronesa e do corte de cabelo esquisito da
condessa e da...
- Aaaaaaaahhh!
E em seguida um grito:
- Chega! Não quero mais conhecer princesa
nenhuma! Vou viajar, sim... Mas do meu jeito.
O jeito dele era se disfarçar, para ninguém
reconhecer nem chegar perto com aquelas conversas chatas. E como suas fotos
estavam em todo canto, tratou de ficar bem diferente. Cortou e pintou o cabelo,
pôs brinco e óculos escuros, se vestiu de um jeito bem moderno, botou uma
mochila nas costas. Quem visse achava que ele estava indo para algum festival
de rock.
Primeiro, saiu de moto pelas estradas. Viu uma
porção de lugares bonitos, sentindo o vento e curtindo a liberdade. Depois,
quando cansou de estar sozinho, resolveu viajar de trem.
Logo no primeiro trecho, o trem estava meio cheio
e não havia lugar perto da janela. Sentada junto á vidraça, uma moça nem
aproveitava para ver a paisagem porque estava distraída lendo um livro.
O príncipe ficou esperando uma oportunidade
para propor uma troca de lugares. A moça continuava mergulhada na leitura. Ás
vezes arregalava os olhos. Outras vezes sorria. Devia ser um livro
interessantíssimo. Ele morria de curiosidade para ver o título. Até que não
agüentou mais e perguntou. Quando ela respondeu, ele sorriu:
- Eu adoro esse autor, mas não conheço esse
livro.
- É que acaba de sair... A história se passa
no mesmo lugar que aquele outro que...
Num instante estavam conversando. Falando de
personagens que conheciam como se fosse gente de verdade. Tinham lido alguns
livros que eram os mesmos. Mas cada um tinha também suas leituras diferentes.
Então recomedavam, contavam, comparavam. Lembravam trechos de que gostavam,
criticavam o que não gostavam.
- Para onde você está indo? – perguntou ele
depois de quatro horas de viagem e de conversa, sem bocejar nem uma vez.
Quando ela respondeu, ele mentiu e disse que
também ia para lá. Só para encontrar de novo com a moça no outro dia e
continuar a conversa. E quando descobriu que daí a três dias ela seguia viagem
para outro lugar, o príncipe exclamou:
- Mas que coincidência! Eu também...
Continuaram viajando juntos por muitas
semanas. Conversavam o tempo todo, o assunto nunca acabava, sempre tinham
coisas interessantes para contar.
Não tinham roteiro fixo. De vez em quando um
sugeria uma cidade:
- Vamos saltar na próxima estação? Viu o nome?
É lá que fica aquela abadia que...
- Claro! Eu também li esse romance. Vamos,
sim!
Depois o outro lembrava:
- Vi no mapa que a gente está bem pertinho da
aldeia onde nasceu aquele poeta de que você estava falando outro dia...
podíamos ir ver a casa dele.
E incluíam mais uma visita em seu caminho.
Estavam adorando viajar juntos. E ele nem bocejava.
Mas um dia começou a pensar: “Que mistério era
aquele? Como é que aquela moça podia ir para onde quisesse, daquele jeito? Não
tinha família? Não morava em lugar nenhum? De onde vinha? Para onde ia?”
Resolveu perguntar.
Ela ficou meio envergonhada para responder:
- Bom, eu moro mesmo é num lugar meio longe
daqui.
E disse justamente o nome do reino dele.
Depois continuou a explicação:
- Só estou podendo viajar porque ganhei um
prêmio. O segundo lugar num concurso. Se fosse o primeiro, ganhava muito
dinheiro, uma casa mobiliada, até com livros na estante e um carro na garagem.
Mas como foi o segundo, ganhei um passe de trem válido por seis meses, para
onde eu quiser. E uma caixa de livros. Mas eu já tinha lido alguns, da
biblioteca...
- Então a gente troca. Você me passa os que já
leu, e eu lhe dou só livros que você não tiver lido. Combinado?
Combinaram. Ainda mais porque eram da mesma
cidade, ia ser fácil fazer a troca... E ele ficou convencido de que, em poucos
meses, quando acabasse o passe dela, ele também ia voltar para casa.
- E você? Por que está viajando?
Meio sem jeito, ele resolveu que ia
contar seu segredo e dizer a verdade. Tinha vontade de ficar o resto da vida ao
lado dela, conversando sem parar. Não podia mentir:
- Bom, de verdade, eu sou
príncipe...
Ela riu, batendo palmas:
- Que maravilha! Mais uma
coincidência... Eu também sou princesa...
- Princesa?
- É... Tirei o segundo lugar no
concurso de carinha da uva na Festa da Colheita, eu não lhe disse?
Não, não tinha dito. Não exatamente
isso. Mas não fazia mal.
Daí a alguns meses a Princesa que
Lia e o Príncipe que Não Bocejava Mais voltaram para casa e se casaram. Não sei
se viveram felizes para sempre. Mas por muito e muitos anos, até onde a memória
alcança, tiveram assunto para conversar e se divertir. Leram muito. E às vezes,
quando bocejavam, já sabiam porque era: estavam com sono e era hora de ir para
cama.
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