O PAPAGAIO REAL
LUIS DA CAMARA
CASCUDO
DUAS MOÇAS MORAVAM JUNTAS E ERAM IRMÃS, UMA MUITO BOA
E OUTRA MALDIZENTE E PREGUIÇOSA.
Cada uma tinha seu quarto. A mais
velha começou a notar à noite, um barulho de asas e depois fala de homem no
quarto da irmã. Ficou desconfiada e foi olhar pelo buraco da fechadura.
Viu uma bacia cheia d’água no meio do
quarto. Quando deu meia-noite, pousou na janela um papagaio enorme, muito
bonito e voou para dentro, metendo-se na bacia, sacudindo-se todo, espalhando
água para todos os lados. Cada gota d’água virava ouro, e o papagaio, quando
saiu do banho foi o príncipe mais formoso do mundo. Sentou-se ao lado da irmã e
pegaram a conversar animados como noivos.
A irmã ficou roxa de inveja. No outro
dia, de tarde, encheu o peitoril da janela de cacos de vidro, assim como a
bacia. Nas horas da noite, o papagaio chegou e, batendo no peitoril, cortou-se
todo. Voou para a bacia e cortou-se ainda mais. Arrastando-se, o papagaio não
virou príncipe, mas chegou até a janela e disse para a moça que estava assombrada
com o que sucedera:
-
Ai, ingrata! Dobraste-me os encantos! Se me quiseres ver, só no reino de Acelóis.
E
batendo asas, desapareceu. A moça quase
se acabou de chorar e de se lastimar. Brigou muito com a irmã e deixou a casa,
procurando o noivo pelo mundo
Ia
andando, empregando-se como criada nas casas só para perguntar onde ficava o
reino de Acelóis. Ninguém sabia ensinar, e a moça ia ficando desanimada.
Uma
noite, depois de muito viajar, já cansada, ficou com medo dos animais ferozes e
subiu em uma árvore, escondendo-se bem nas folhas. Estava amoquecada quando
diversos bichos esquisitos chegaram para baixo do pé-de-pau e pegaram a
conversa..
-
De onde chegou você?
-
Do reino da lua!
-
E você?
-
Do reino do Sol!
-
E você?
-
Do reino dos Ventos!
A
moça prestou atenção. No primeiro cantar dos galos, sumiram-se todos, e ela
desceu e continuou a marcha. Andou, até que chegou noutra mata e, para não ser
devorada, trepou numa árvore. Lá em cima, quando a noite ficou bem fechada,
chegaram umas vozes no pé-do-pau.
-
De onde veio?
-
Do reino da Estrela!
-
De onde veio?
-
Do reino de Acelóís!
-
Que novidades me traz?
-
O príncipe está doente e ninguém sabe como tratar dele...
A
moça botou reparo e, na madrugada, seguiu no mesmo rumo, pois as vozes já
tratavam do reino de Acelóis. Andou, andou, andou. Finalmente, quando
anoiteceu, estava dentro de uma floresta. Subiu em um pé-de-pau e ficou quieta,
lá em cima mais tarde, as vozes começaram na falaria:
-
De onde vem você?
-
Do reino de Acelóis!
-
Como vai o príncipe?
-
Vai mal, coitado, não tem remédio!
-
Ora, Não tem! Tem!
O
remédio e ele beber três gotas de sangue do dedo mindinho de uma moça donzela
que queira morrer por ele!
Quando
amanheceu o dia, a moça tacou-se na estrada. Ia o sol sumindo, quando ela
avistou o reinado de Acelóis. Entrou no reinado e pediu agasalho numa casa.
Na
hora da ceia, perguntou o que havia e disseram que o assunto da terra era a
doença do príncipe. A moça, no outro dia, mudou os trajes, foi ao palácio e
pediu para falar com o rei.
-
Rei Senhor!
Atrevo-me a dizer que ponho o
príncipe bonzinho se o Rei Senhor me der, de tinta e papel, a metade do reinado
e de tudo quanto lhe pertencer.
O
rei deu, de tinta e papel, a metade de tudo quanto possuía.
A moça foi para o quarto, meiou um
copo d’agua, furou o dedo mindinho, boto três gotas de sangue dentro, misturou
e mandou o príncipe beber. Assim que ele engoliu, foi abrindo os olhos,
levantando-se da cama e abraçando a moça numa alegria por demais.
O
rei ficou muito satisfeito. Mas, quando o príncipe disse que aquela era a sua
verdadeira noiva, desde o tempo em que ele estava encantado em um
papagaio-real, o rei não quis dar consentimento porque a moça não era princesa.
A
moça então falou:
-
Rei Senhor!
Tenho
por tinta e papel a metade de tudo quanto é do Rei Senhor neste reinado O
Príncipe é do Rei Senhor, e eu tenho por minha metade dele. Se o Rei Senhor não
quiser que eu me case com ele inteiro, levarei para casa uma banda.
Ao
ouvir falar em corta o Príncipe pelo meio, como um porco, o rei chegou-se às
boas e deu o consentimento. Foram três dias de festas e danças, e até eu me
meti no meio, trazendo uma latinha de doce. Mas, na Ladeira do Encontrão, levei
uma queda e ela, pafo! No chão!...
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