segunda-feira, 6 de junho de 2016




LEITURA
TEXTO: O AMOR

Era silencioso o amor. Podia-se adivinhá-lo no cuidado da mãe enxaguando as roupas nas águas de anil. Era silencioso, mas via-se o amor entre seus dedos cortando a couve, desfolhando repolhos, cristalizando figos, bordando flores de canela sobre o arroz –doce nas tigelas.
Lia-se o amor no corpo forte do pai, em seu prazer pelo trabalho, com sua mansidão para com os longos domingos. Era silencioso, mas escutava-se o amor murmurando – noite adentro – no quarto do casal. A casa, sem forro, deixava vazar esse murmúrio com o aroma de fumo e canela, que invadia lençóis e dúvidas, para depois filtrar-se por entre telhas.
Experimentava-se o amor quando, assentados ao calor da cozinha, pai e mãe falavam de distâncias, dos avós, das origens, dos namoros, dos casamentos.
E, quando o sono chegava, para cada menino em cada tempo, era o amor que carregava cada filho nos braços para a cama, ajeitando o cobertor debaixo do queixo.
[...] Em tardes de domingo, sempre muito longas e vestidas de sossego, a mãe se fazia criança para os filhos.
Ao pé da escada, junto da porta da cozinha, estava o tanque. De cimento cinza, ele guardava a água fria que despencava do morro, escorregando dentro dos bambus – veias cristalinas. A umidade favorecia viver e crescer ali, musgos verdes, tapetes por onde pequenas formigas passavam, arrastando montes de folhas. Mesmo o olhar se sentia acariciado por veludo assim tão fino.
Com anilinas para doces a mãe coloria as águas no tanque, uma cor de cada vez, e mergulhava as alvas galinhas legornes em banho colorido: azul, verde, amarelo, vermelho, roxo. Em pouco tempo o quintal, como por milagre, era pátio e castelo, povoado de aves – legornes agora raras – desenhadas em livro de fadas. Ficava tudo encantamento. Não havia livro, mesmo aqueles vindos de muito longe, com história mais bonita do que as que a mãe sabia fazer. Não era difícil para Antonio imaginar-se príncipe e filho de mágicos.
Quando o dia ameaçava esconder o sol, entre seios e montanhas, aquele inofensivo bando, filho do arco-íris que morava na cabeça da mãe, se empoleirava nos galhos até não poder mais, com seus antigos moradores vestindo roupa nova de festa, feita pela mãe; pensava na árvore de Natal que não tardaria a brotar no canto da sala, com sombra protegendo presentes.
No outro dia, o barulho do milho na cuia trazia para junto dos meninos um arco-íris faminto e já meio desbotado pela noite e seu sereno. Mas ficava a certeza de que a mãe, em qualquer momento, brincaria de outra coisa.

Bartolomeu Campos de Queirós

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