Sr. Rabuja passa todos os dias, logo cedo, na mesma rua. Ele inicia
a sua tarefa as 6h da manhã.
Sr. Rabuja é um catador de pensamentos. Todos os dias ele
segue, com seu velho boné, sua mochila amarrotada.
¨Movimenta-se como alguém que não sabe o que é pressa”.
Quando ele passa debaixo da minha janela levanta a cabeça, e
me diz com voz suave: bom dia.
Bom dia Sr. Rabuja! – responde em voz baixa.
Em seguida ele se despede inclinando a cabeça, sorridente e
vai embora com seu passo arrastado.
“Sr. Rabuja consegue ouvir pensamentos. Mesmo através das
paredes grossas das casas...
Assim que ouve algum, ele abre a mochila, assobia suavemente,
e aquele pensamento logo chega voando, entra na mochila e se junta aos outros
que já se encontram lá dentro.
Alguns vêm voando suavemente, outros se aproximam tão
depressa que quase derrubam o Sr. Rabuja...”
Sr. Rabuja, que nesses longos anos já viu muita coisa, às
vezes para, fica pensativo, admirado, pela centésima vez, como os pensamentos
podem ser tão diferentes uns dos outros. Depois de recolher todos os pensamentos
que encontrou pela cidade, ele amarra cuidadosamente a mochila e volta para
casa, com o corpo ainda mais curvado, por causa do peso dos pensamentos.”
“O Sr. Rabuja mora na saída da cidade, numa casinha rodeada
de hortas e jardins. A casinha tem dois cômodos e um banheiro no quintal...Como
as caminhadas o deixam com fome e cansado, primeiro ele come alguma coisa,
depois descansa um pouco. Mais tarde pega a mochila e vai para o seu quarto de
trabalho. Lá, estende um pano grande e macio, abre a mochila e despeja os pensamentos.”
“...Ele se agacha, desembaraça e separa os pensamentos emaranhados
e os guarda, em ordem alfabética...Na prateleira da letra A, por exemplo,
encontramos os pensamentos acanhados, aflitivos, amalucados...Na prateleira da
B encontramos os pensamentos belos, blasfemos...”
Separar os pensamentos não é uma tarefa simples, alguns
pensamentos são difíceis de perceber e outros gostam de se esconder no canto do
quarto. “Depois de terminar a classificação, ele deixa os pensamentos descansando
um pouco nas prateleiras, para ficarem bem suculentos, como frutas maduras... Aí
ele começa a retirá-los, um a um, e a depositá-los com muito cuidado num grande
cesto de vime...”
“Em volta da casa há muitos canteiros, grandes, limpos e prontos
para serem utilizados. Sr. Rabuja vai tirando os pensamentos do cesto, um a um,
e os planta nos canteiros... Depois disso, entra em sua casa, se ajeita em sua poltrona...
toma uma ou duas xícaras de chá lendo o jornal e em seguida se deita para dormir...”
Ao amanhecer, nos canteiros úmidos de orvalho, brilham flores
de infinitos tipos e cores. “Sr. Rabuja não perde tempo: toma banho, se veste e
toma seu café da manhã. Sabe que tem pouco tempo para contemplar as flores dos pensamentos...
Sem que ele se dê conta, a aurora se transforma na claridade do dia. É então
que a coisa acontece.”
Pouco a pouco as flores se dissolvem. São inúmeras partículas
que parecem “floquinhos de poeira dançando ao sol”. Nesse momento surge uma melodia
de tal suavidade que o Sr. Rabuja mal consegue ouvi-la...Em seguida, tudo chega
ao fim. Ele tira a mesa do café e se prepara para mais um dia de trabalho.
“O vento leva consigo as minúsculas partículas dos
pensamentos. Elas voam cada vez mais alto e pairam sobre os telhados da cidade
ainda imersa no sono. Depois descem, enfiam-se em todas as janelas, em todas as
frestas...Pousam cuidadosamente na testa das pessoas que estão sonhando e ali
se transformam em novos pensamentos. Se não existissem catadores de
pensamentos, os pensamentos ficariam o tempo todo se repetindo e provavelmente
um dia deixariam de existir.”
“...Todas as cidades têm catadores de pensamentos como eu,
afirma o Sr. Rabuja. Nas cidades grandes há até dois ou três. Só que quase ninguém
sabe, porque eles trabalham o mais discretamente possível. A maioria tem nomes
esquisitos. Puro disfarce. Quem iria imaginar, por exemplo, que um homem que se
chama Sr. Rabuja pudesse ser catador de pensamentos?”
Monika Feth
maravilhosa história
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