Para começo de conversa, o menino gostava de
cuidar de carneiros. Ele podia brincar o dia todo sem que ninguém o mandasse
parar, ou que o mandasse ir dar comida às galinhas ou catar ovos ou cortar
lenha. Ele tocava seu apito e dançava com os carneiros que saltitavam pela
grama. Ele coçava a cabeça de seu cachorro e jogava gravetos para ele ir
buscar. À noitinha, ele e seu cachorro guiavam o rebanho pelo morro para se
encontrarem com os outros pastores. Então, deitavam-se juntos, ao lado da
fogueira, para dormir.
Depois
de um certo tempo, entretanto, o menino ficou entediado.
-Não
vejo graça ficar aqui sozinho - ele resmungou. - Não tenho com quem falar.
Ninguém liga para mim. Só o que esses carneiros fazem é mastigar, mastigar... -
Ele tocou uma musiquinha triste na sua flauta. - Até mesmo os carneiros já
estão crescidos demais para dançar. E não vejo nem sinal de uma raposa ou de um
loboou de um grande urso marrom...
O
menino parou e olhou para os carneiros que pastavam calmamente entre flores.
Ele olhou para o seu cachorro que cochilava ao sol. Ele olhou para longe, para
onde os outros pastores estavam sentados tranquilamente com seus rebanhos. Ele
olhou para a pequena vila lá embaixo, no vale da montanha. Homens e mulheres e
crianças moviam-se lentamente em seus afazeres.
-
É tudo tão MONÓTONO - disse o menino. - Tão CHATO! - e de um salto, pôs-se de
pé.
Os
carneiros ergueram as cabeças. O cachorro abriu os olhos.
-
LOOOOOOOOOOOOOOOBO! - Gritou o menino,o mais alto que pôde.
-
LOOOOOOOOOOOOOOBO! - SOCORRO! SOCORRO! - e corria de um lado para o outro, em
meio aos carneiros que também corriam para todo lado, apavorados.
-
BEEEEEEEEEEÉ! - eles baliam. - BEEEEEEEEEÉ!
O
cachorro latiu alto, e os pastores que estavam perto dali pegaram seus cajados
e vieram correndo para ajudá-lo. Lá embaixo, na vila, todos largaram seus
afazeres e correram morro acima.
-
Onde está ele? - perguntaram. -Onde está o lobo? É grande? É feroz? Ele pegou
algum carneiro?
O
menino apoiou-se em seu cajado e disse:
-
Eu o enxotei! Ele era enorme e cinzento e esfomeado, mas eu o enxotei!
Todos
bateram palmas. Abraçaram o menino e fizeram muita festa. No dia seguinte, seu
irmão mais velho veio ajudá-lo com o rebanho. Mas, depois, seu irmão voltou
para a vila e o menino novamente só. Ele suspirou ao ver seu irmão descendo o
morro.
-
Isso foi divertido - ele falou.
O
menino cuidou dos carneiros durante mais uma semana. Ele assobiava e atirava
gravetos para seu cachorro pegar, mas não tinha vontade de brincar nem de
dançar.
-
É tão CHATO - ele falou, esfregando o nariz e pensando. - Hum - disse ele,
olhando em volta. Havia pastores cuidando dos rebanhos, e o povo da vila
trabalhando lá embaixo como sempre.
-
LOOOOOOOOOOOOOOOBO! - gritou o menino, batendo palmas para espantar os
carneiros que ficaram se empurrando e se trombando.
-
LOOOOOOOOOOOOOOOBO!
Os
carneiros batiam alto. O cachorro latiu. Os pastores vieram correndo. O povo da
vila subiu esbaforido morro acima.
-
Onde está ele? Onde está o lobo? - eles gritaram.
O
menino sacudiu a cabeça.
-
Ele deve ter se escondido quando ouviu vocês - disse.
O
povo e os pastores se entreolharam e vários deles balançaram a cabeça. O menino
foi abraçado e chamado de corajoso, mas ninguém ficou com ele. Logo ele estava
novamente sozinho.
-
Venha logo - ele chamou, zangado, seu cachorro. - Vamos arrebanhar os
carneiros.
O
menino cuidou dos carneiros durante mais três dias. Ele não tocou seu apito e
quase não falou com seu cachorro.
-
Carneiros são chatos - ele falou. - É tudo muito MONÓTONO.
O
cachorro abanou o rabo, mas o menino nem notou.
-
Vamos nos DIVERTIR -ele falou, pondo-se de pé. - LOOOOOOOOOOBO! - ele gritou. -
LOOOOOOOOOOOOBO!
Os
carneiros nem se mexiam. O cachorro levantou-se lentamente, e alguns poucos
pastores vieram correndo. Algumas pessoas da vila subiram o caminho, mas não
pareceram surpresos quando o menino explicou que um lobo ENORME já havia
desaparecido. Concordaram, abanando a cabeça e piscando uns para os outros,
antes de retornarem às suas casa.
Naquela
noite o céu estava carregado de nuvens escuras. O menino achou que estava na
hora de levar seu rebanho para o outro lado do morro, quando de repente, o
cachorro começou a rosnar. O menino olhou para ele, surpreso, e notou que seu
pelo estava arrepiado.
-
O que foi cachorro? - ele perguntou.
Os
carneiros estavam irrequietos.
-
BEEEEÉ! - eles baliam, ansiosamente. - BEEEEEÉ!
E
aí o menino viu uma sombra cinzenta esgueirando-se, arrastando-se
vagarosamente, chegando cada vez mais perto.
-
LOOOOOOOOOOOOOOBO! - ele berrou.
-
LOOOOOOOOOOOOOOBO!
Não
veio ninguém. O menino gritou novamente, e mais uma vez, e de novo. O cachorro
rosnou uma última vez e depois, ganindo, fugiu com o rabo entre as pernas.
-
LOOOOOOOOOOOOOOBO! - o menino gritou e berrou, mas, mesmo assim, ninguém
respondeu. Com um grito agudo, correu até a árvore mais próxima e subiu
rapidamente.
O
lobo deu um salto.
Na
manhã seguinte, não havia sobrado nenhum carneiro. Sóo menino, encarapitado na
árvore. Quando os pastores vieram ver por que ele não fora juntar-se a eles na
beira da fogueira na noite anterior,perceberam o que havia acontecido.
-
Nunca mais vou gritar "lobo"! - soluçava o menino.
-
É, não vai mesmo - disseram os pastores. E levaram-no de volta à vila,onde ele
passou a dar de comer às galinhas, catar ovos e cortar lenha...e nunca mais
teve tempo para brincar.
As fábulas
ferinas de Esopo. Tradução: Gilda de Aquino. São Paulo: Brinque-Book, 1997.
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