sábado, 8 de setembro de 2018

TEXTO: Lúcia Já-Vou-Indo

Lúcia Já-Vou-Indo não conseguia andar depressa. De maneira nenhuma. Andava devagar, falava devagar, chorava e ria devagarinho e pensava mais devagar ainda. Muito natural, pois ela era uma lesma.
Um dia Lúcia Já-Vou-Indo recebeu um convite para uma festa. Levou o dia inteirinho para ler o bilhete que dizia assim:
“Chispa-Foguinho, a libélula, convida-a para uma festa dançante, debaixo do Pé de Maracujá, às oito horas da noite do dia 30 de janeiro. Comes e bebes, muita música, muita alegria, tudo do bom, do melhor e de graça.”
Mal acabou de ler, Lúcia foi-se preparando para a festa. Queria pôr-se a caminho imediatamente, embora faltasse ainda uma semana.
– Juro que vou chegar a horas! – disse para si mesma. E começou a lembrar-se das muitas festas que tinha perdido por chegar sempre atrasada. Ao aniversário da MaroquinhaCocinela, que era sua vizinha, chegou um dia depois da festa. Ao casamento do grilo João das Pintas com Sarapintada, chegou tão tarde que foi encontrar um casal já com um filhinho.
Nesse instante, o relógio da sala bateu três horas da tarde e Lúcia Já-Vou-Indo teve um sobressalto.
Pois não é que já perdera duas horas a pensar naquelas coisas? E começou arrumar-se apressadamente.
Pôs na cabeça uma peruca de cachinhos com um laçarote de fita cor de laranja, e com isso perdeu um dia inteirinho.
Encheu uma cesta com bocadinhos de alface para ir comendo pelo caminho, e lá se foi mais um dia. Deu corda ao relógio para que não parasse na sua ausência e perdeu outro dia.
Só faltava fechar a casa e ela perdeu nesse serviço mais um dia.
Enfim, a molenga pôs-se a caminho, tendo exatamente três dias para chegar ao Pé de Maracujá que não era muito longe.
Chegou o dia da festa e ela ainda estava a caminhar. Pelo caminho encontrou muita gente que também ia para lá. Viu a senhora Içá, com a cinturinha apertada num cinto de fivela de ouro, de braço dado com o marido de camisa às riscas e boné. Viu Lili Taturana, toda besuntada de brilhantina para que seus pelinhos não ficassem arrepiados. Viu o Zé Caramujo de cachecol xadrez enrolado no pescoço. Viu as formiguinhas Quem-Quem numa longa fila, comportadas e quietinhas como meninas de orfanato a passear num domingo. Viu abelhas, besouros, centopeias, vespas e mil outros bichinhos. Todos passavam por ela e desapareciam ao longe.
– Depressa, assim nunca mais lá chegas! – diziam de passagem.
E ela dizia devagarinho mastigando um bocadinho de alface:
– Já Vou Indo… Já Vou Indo… – e esforçava-se, pensando que estava a andar um bocadinho mais depressa.
Que engano! Quase não saía do lugar.
Enfim, ela começou a ouvir a orquestra das cigarras. Estou pertinho, pensou, mais algumas horas e estou lá.
E o seu entusiasmo era tão grande que até conseguia, de fato, andar um pouquinho mais depressa.
– Olha a pedra no caminho! – gritou nesse instante João-Barata do Mato, que também ia para festa.
Aviso inútil, porque Lúcia Já-Vou-Indo tinha visto muito bem. Era a Maria Redonda, uma pedra perversa que gostava de pregar partidas aos outros. Ficava sempre no meio do caminho, de propósito para que tropeçassem nela e caíssem. Então sacudia-se toda a rir.
Eu vou-me desviar dela, pensou a lesminha. Mas a coitada pensava mais devagar ainda do que andava. Por isso não teve tempo de se desviar. Tropeçou e caiu. Mas não se magoou porque caiu muito devagarinho. Tão devagarinho que a pedra nem achou graça.
Lúcia levantou-se, arrumou a peruca que se tinha entortado na cabeça e foi buscar a cestinha que tinha rolado longe. Nisso, perdeu um dia e mais outro.
Quando chegou ao Pé de Maracujá, não havia nem sinal de festa, a tão esperada, comentada e suspirada festa.
Quem achou graça ao caso foi o Pé de Maracujá. Começou a bater uma folha na outra e cantar assim:
“Lúcia-Já-Vou-Indo
Vinha vindo, vinha vindo,
Tropeçou numa pedrinha,
foi caindo, foi caindo”!
Mas Lúcia não achou graça nenhuma. Chorou muito, o seu chorinho vagaroso de lesma: uma lágrima por hora, um soluço a cada meia hora.
Chorou, chorou, mas o seu choro brando não conseguiu acordar a libélula Chispa-Foguinho que dormia cansada da festa. Ela só ouviu o chorinho da lesma no outro dia quando acordou.
– O que será isso? – a libélula disse e foi espreitar. Viu a pobre Lúcia chorando, compreendeu tudo e ficou cheia de pena.
Foi buscar uns docinhos que sobraram da festa e ofereceu-os à Lúcia. Conversou bastante com ela para ver se a consolava, e nada. Lúcia-Já-Vou-Indo continuava com o seu choro em câmara lenta e depressa a libélula se cansou. Numa última tentativa ela disse:
– Sabes Lúcia, quem vai dar uma festa agora és tu. Sendo a festa na tua casa é impossível chegares atrasada.
A lesminha ficou a pensar naquilo e, como pensava muito devagar, a libélula chamou as irmãs e, ligeiras como foguetinhos, foram à casa da Lúcia, prepararam tudo e distribuíram os convites.
Credo! A família da libélula era toda elétrica. Zás-trás e tudo ficou pronto. Só faltava colocar a Lúcia dentro de casa para receber os convidados.
Enquanto isso, Lúcia-Já-Vou-Indo, que já tinha acabado de pensar e estava encantada com a ideia, vinha vindo o mais depressa que podia, talvez dentro de alguns dias – se não tropeçasse outra vez na pedra Maria Redonda- estivesse em casa.
E a libélula Chispa-Foguinho tinha agora um problema: os convidados já estavam a chegar e a festa não podia começar porque a dona da casa estava fora. Como trazer Lúcia o mais depressa possível?
Cric!… A libélula deu um estalinho. Já descobrira a solução. Num abrir e fechar de olhos, explicou tudo às irmãs e foram buscar a Lúcia.
Puseram a molenga em cima de uma folha de árvore e vieram a voar trazendo a folha pelos ares. Danadas como só elas, em dois minutos a lesma estava em casa. Isso, apesar de ter caído da folha três vezes.
Foi assim que, oh maravilha!
Pela primeira vez na vida, Lúcia-Já-vou-Indo assistiu a uma festa inteirinha, do começo ao fim.
Fábula de Maria Heloisa Penteado | Adaptado por CPinto [psicopedagoga]

Um conto com muito humor e um final feliz. Utilizando os animais como atores não écontudo uma fábula, porque não tem uma moralização explícita nem a punição dos “malvados”.
Excelente para trabalhar com crianças que se sentem inferiorizadas pelo fato de serem mais lentas, mostrando-lhes que no final é possível atingir o objetivo. É importante neste processo a ajuda dos companheiros e amigos, o ambiente de alegria “a festa”, a solidariedade e o prazer da amizade.



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